Sem palavras




Ela olhava pela janela, não  havia uma vista fantástica que lhe fizesse suspirar, chorar ou sorrir.

Era uma casa escura, sombria sem nenhum móvel luxuoso, tapetes ou um belo jardim para lhe inspirar a sonhar. Era apenas uma janela de cor azul, aberta, voltada para a rua de uma favela onde morava com sua Mãe, Pai e três irmãos. 

Menina, por que range os dentes? 

Essa é a pergunta que hoje se faz após lembrar dessa cena tão envolvida em sentimentos e mistérios.  

A resposta vem em um breve silêncio e, observação no sentir, agora olhando por outra janela, a da maturidade e do tempo.

Aquele ranger dentes expressava o medo e a  angústia de presenciar tantas brigas envolvendo Pai  e Mãe. Menina tomada pelo desejo de ajudar sua Mãe que claramente sofria com a vida que vivia. Sem ter muito o que comer, ela caçava como uma Leoa e sempre voltava para casa com algo que pudesse alimentar seus filhos. A menina tinha um tratamento especial, com mais carinho e atenção. Só por ser menina!

Isso despertava o sentimento de ira e ciúmes de um dos seus irmãos. Inocentemente naquela época, ela não saberia disso, mas podia sentir nos gritos, tapas e pontapés que algo havia errado com aquele irmão em específico. 

Naquela mesma casa, muitas vezes viu a comida flutuando pelos ares, era seu Pai em fúria, jogando o pouco que tinha para demonstrar sua raiva. Sua Mãe, como sempre, abraçava os quatro filhos protegendo-os em seus  braços. Isso me lembra como a natureza é perfeita, hoje comparo com a forma como uma galinha faz com seus pintinhos, mantendo todos embaixo de suas asas até que estejam prontos.

Eu não posso me lembrar com alegria daquela casa! Tudo nela era sombrio, inclusive um balanço em um pé de goiaba no quintal. Mas, eu não tinha opção, me balançava nele por horas. Ainda sinto o chão frio sob meus pés. Terra meio avermelhada, e fria, assim como eram os sentimentos de amor.

Onde o amor se escondia em todos aqueles acontecimentos? 

Sim, ele estava lá, nos olhos da minha Mãe, nos seus braços, nas suas atitudes, em todas as vezes que dormiu com fome para dar a pouca comida que tinha para nós, e, em todas as vezes que saiu na casa dos parentes para pedir comida e trazer pra casa.

Não faltava amor!!! Ele estava mesmo no chão frio do quintal e nas expressões de infidelidade do meu Pai

Parece que amor e ódio andam mesmo lado a lado, penso que eles precisam ser vistos e nós é que escolhemos se e como iremos alimentá-los.

Minha Mãe alimentava o amor, meu Pai, o desprezo, a frieza, a mentira.

Assim, eu sempre voltava a observar pela janela, e ranger os dentes, era minha forma de aos 3 anos de idade demonstrar bravura, quando eu rangia os dentes, eu dizia ao medo , ao choro, a tristeza e a todo o mal, que me deixasse, e que deixasse a minha Mãe. 

Talvez ninguém me entendesse naquela época, mas certamente, a vida me entedia. Porque eu usava a linguagem do meu coração.

A luz, os  sonhos, e o amor, nunca foram encobertos pelas sombras da vida dentro do meu coração infantil.

Ele sempre esteve lá. 

A menina caminha pela vida com uma lamparina, como se andasse em meio a escuridão, no fogo da lamparina ardia e arde a chama do amor.




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